quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Uma releitura da releitura do banho

Ando com vontade de escrever, mas sem coragem de lidar com tudo o que pode vir. Por isso, hoje resolvi escrever por meio das palavras do outro. Uma seleção nada imparcial de trechos de um dos textos mais simples e gostosos que li nos últimos tempos.

E quem disse que isso não é escrever? Afinal, selecionar o que quero falar, mesmo que a partir do pensamento alheio, é um pouco de escrita também! 


Por isso, espero que vocês se deliciem com a minha versão do texto de Hilda Lucas, "O banho nosso de cada dia". (Publicado na revista Lola deste mês)


"Banho de vira-lata é aquele em que você entra quase de quatro, se arrastando, se sentindo destruída. Você liga o chuveiro e tudo o que você quer é se diluir, esvaziar. (...)


Algo sempre muda depois de um banho vira-lata e o mais frequente é você se dar conta de que aquele banho lhe fez bem. (...) O banho de vira-lata é aquele que você toma com 'seus botões de carne e osso', com seus fantasmas, com sua impotência, seu pânico. Nele você entra sem saídas, sem respostas e pode até sair sem soluções, mas sai estranhamente apaziguada, você sobreviveu ao banho e parte do desespero escoou pelos poros, pelo cano. No banho, a drenagem do cansaço, o conforto da limpeza, a certeza de que a vida segue lá fora, pois banho é reparação. (...)


Confie no poder do banho. Confie na função terapêutica da rotina. Enquanto você dá conta de se arrumar, se alimentar, trabalhar, dormir (mesmo que com uma ajudinha...) e tomar banho, significa que você está rolando os dados. (...) O banho nosso de cada dia é uma espécie de oração, de teimosia, de pacto. (...) [Porque] banho que é banho é muito mais que higiene. (...) Um milagre caseiro feito de água e sabão. Uma parada, um respiro, uma trégua. (...)


Tomar banho depois de uma situação extrema é o primeiro indício de que a vida voltará, de uma forma ou de outra, para os trilhos. O banho funciona como o primeiro sim que você diz à continuação do viver. (...)


No mundo feminino, banho que é banho tem um quê de nascimento de Vênus, algo mítico, inaugural, pois alguns banhos são fundadores, divisores de águas. São os banhos de estreia. Aquele que a gente toma depois da primeira menstruação, quando cheias de sustos e intuições vemos sangue misturar-se à água. O banho depois da primeira trepada... o corpo novo, doído, doido, desperto banhando-se de outro. (...) No banho, a crônica da vida.


Mas só quando você toma um banho day after, você compreende a força do banho. Banho day after é aquele do dia seguinte a uma ruptura, uma tragédia pessoal. Você sabe que depois daquilo nada será como antes. A vida não será a mesa, nem você será a mesma e, no entanto, você toma banho como se tudo continuasse como era. É incrível. (...) 


O santo banho, aquele que faz você voltar a funcionar, pois, no caos, o hábito é a regra de ouro para que a vida se recomponha. Nessas horas, tomar banho é comovente. E você tem certeza de que a vida é pura teimosia, que continua a despeito das perdas e dos reveses e no banho você está apenas afirmando: estou dentro, estou viva. (...)


Banho que é banho lava a alma." 



Banho é bom!

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